terça-feira, julho 08, 2014

Um a sete

Dizem por aí, em tom crítico, que brasileiro só é patriota em épocas de Copa e Olimpíadas. Acho que é isso que acontece aqui comigo. Nunca entendi bem o patriotismo, sempre pareceu um sentimento artificial. Desde a escola, cantando o Hino Nacional ou o Hino à Bandeira em fila, sempre diziam que eu devia "amar a pátria", mas nunca explicaram o motivo. Isso não me impediu de crescer e gostar do Brasil. Pelo contrário, tentar enxergar além desse patriotismo tão abstrato e impalpável me ajudou a perceber que eu de fato gosto daqui porque me identifico com muitos costumes e características desse canto do mundo, e não porque devo ter "orgulho de ser brasileiro".

As únicas épocas em que eu me vejo vibrando simplesmente por ser brasileiro são durante Copas do Mundo, só porque eu gosto de futebol. Como faço questão de colocá-lo em seu devido lugar na ordem de relevância das coisas, sigo a verdade já revelada por Nelson Rodrigues: "o futebol é a coisa mais importante entre as coisas desimportantes". O futebol emociona, arrebata, mas não muda o mundo. Por isso posso dizer que torço pela seleção brasileira sem me preocupar em teorizar demais sobre o assunto. Pensar em futebol brasileiro me traz muitas lembranças - minha infância, os jogos que eu assistia com meu pai, a própria história das seleções brasileiras -, tudo converge para me tornar um torcedor da seleção brasileira de futebol. Mas não vejo necessidade de reconhecer em nenhum desses motivos algo racional. É um grande alívio poder ser assim irracional com o futebol, esse desimportante.

Digo isso porque vi muitos amigos torcendo contra a seleção brasileira. Não fizeram isso porque normalmente já torçam para outras seleções - mesmo porque muitos nem mesmo gostam de futebol -, mas por acreditarem que a derrota da seleção seria uma derrota política, derrota dos governantes que contribuíram para os tantos absurdos que existiram nos anos que antecederam essa Copa. Nesses amigos, primeiro, eu reconheço boa-fé. São pessoas que buscam ser críticas e solidárias, isso é valoroso. Apesar disso, e não me levem a mal, há algo de ingênuo nessa reação. O futebol nem sempre é só futebol, mas também não é isso tudo. O futebol, diz-se, tem muito de pão e circo. Talvez tenha. Mas é pouco, bem menos do que se diz.

Copas do Mundo são sempre em anos de eleição para Presidente - e a coincidência para por aí. Em 1994, o Brasil foi campeão e Fernando Henrique foi eleito. Em 98, o Brasil deu vexame na final e FH foi reeleito. Em 2002, Brasil campeão do mundo, mas o presidente não elegeu seu candidato. 2006, Brasil derrotado, mas o Lula foi reeleito. Veio 2010, o Brasil perdeu, mas o presidente elegeu sua candidata. São 20 anos de eleições e Copas, não é pouca coisa. Talvez, como se diz, o brasileiro precise aprender a votar. Mas um dos erros a serem corrigidos não é votar pelo resultado da Copa.

Quando a seleção brasileira perde, quem perde é ela própria. No máximo podemos dizer que perde também o futebol brasileiro como um todo, ainda mais em derrotas como a de ontem (que explicitam haver mais de podre no futebol do que um time mal treinado). Não perdem os políticos, não perdem “os corruptos”, não perde o partido do governo, nem o prefeito, o governador, a presidente. Não vence a violência policial, não vencem as violações de direitos humanos, não vencem as desocupações de populações pobres, não vencem os estádios caríssimos que serão subutilizados. A seleção perdeu, só ela, e nada disso mudará. Se tivesse vencido, nada mudaria também.

Não há nada de errado em não torcer pela seleção. É compreensível que desanime quem se sensibiliza com tudo isso. Mas torcer contra assim, sem razão, é só um pensamento vingativo vazio, sem sentido. É apontar esforços, mesmo que bem intencionados, à direção errada. Uma derrota da seleção brasileira não é uma vitória política.