Um a sete
Dizem por aí, em tom crítico, que brasileiro só é patriota em épocas de
Copa e Olimpíadas. Acho que é isso que acontece aqui comigo. Nunca entendi bem
o patriotismo, sempre pareceu um sentimento artificial. Desde a escola,
cantando o Hino Nacional ou o Hino à Bandeira em fila, sempre diziam que eu
devia "amar a pátria", mas nunca explicaram o motivo. Isso não me
impediu de crescer e gostar do Brasil. Pelo contrário, tentar enxergar além
desse patriotismo tão abstrato e impalpável me ajudou a perceber que eu de fato
gosto daqui porque me identifico com muitos costumes e características
desse canto do mundo, e não porque devo ter "orgulho de ser
brasileiro".
As únicas épocas em que eu me vejo vibrando simplesmente por ser
brasileiro são durante Copas do Mundo, só porque eu gosto de futebol. Como faço questão de colocá-lo em seu devido
lugar na ordem de relevância das coisas, sigo a verdade já revelada por Nelson
Rodrigues: "o futebol é a coisa mais importante entre as coisas
desimportantes". O futebol emociona, arrebata, mas não muda o mundo. Por
isso posso dizer que torço pela seleção brasileira sem me preocupar em teorizar
demais sobre o assunto. Pensar em futebol brasileiro me traz muitas lembranças
- minha infância, os jogos que eu assistia com meu pai, a própria história das
seleções brasileiras -, tudo converge para me tornar um torcedor da seleção
brasileira de futebol. Mas não vejo necessidade de reconhecer em nenhum desses
motivos algo racional. É um grande alívio poder ser assim irracional com
o futebol, esse desimportante.
Digo isso porque vi muitos amigos torcendo contra a seleção brasileira.
Não fizeram isso porque normalmente já torçam para outras seleções - mesmo porque muitos nem
mesmo gostam de futebol -, mas por acreditarem que a derrota da seleção seria
uma derrota política, derrota dos governantes que contribuíram para os tantos
absurdos que existiram nos anos que antecederam essa Copa. Nesses amigos,
primeiro, eu reconheço boa-fé. São pessoas que buscam ser críticas e
solidárias, isso é valoroso. Apesar disso, e não me levem a mal, há algo de ingênuo
nessa reação. O futebol nem sempre é só futebol, mas também não é isso tudo. O
futebol, diz-se, tem muito de pão e circo. Talvez tenha. Mas é pouco, bem menos do que se diz.
Copas do Mundo são sempre em anos de eleição para Presidente - e a
coincidência para por aí. Em 1994, o Brasil foi campeão e Fernando Henrique foi
eleito. Em 98, o Brasil deu vexame na final e FH foi reeleito. Em 2002, Brasil
campeão do mundo, mas o presidente não elegeu seu candidato. 2006, Brasil
derrotado, mas o Lula foi reeleito. Veio 2010, o Brasil perdeu, mas o
presidente elegeu sua candidata. São 20 anos de eleições e Copas, não é pouca coisa. Talvez, como
se diz, o brasileiro precise aprender a votar. Mas um dos erros a serem
corrigidos não é votar pelo resultado da Copa.
Quando a seleção brasileira perde, quem perde é ela própria. No máximo podemos
dizer que perde também o futebol brasileiro como um todo, ainda mais em derrotas
como a de ontem (que explicitam haver mais de podre no futebol do que um
time mal treinado). Não perdem os políticos, não perdem “os corruptos”, não
perde o partido do governo, nem o prefeito, o governador, a presidente. Não
vence a violência policial, não vencem as violações de direitos humanos, não
vencem as desocupações de populações pobres, não vencem os estádios caríssimos
que serão subutilizados. A seleção perdeu, só ela, e nada disso mudará. Se tivesse
vencido, nada mudaria também.
Não há nada de errado em não torcer pela seleção. É compreensível que desanime quem se sensibiliza com tudo isso. Mas torcer contra assim, sem
razão, é só um pensamento vingativo vazio, sem sentido. É apontar esforços, mesmo que bem intencionados, à
direção errada. Uma derrota da seleção brasileira não é uma vitória política.
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